Finanças Sustentáveis: Títulos e Empréstimos Sustentáveis

Na última década, os títulos e empréstimos sustentáveis se transformaram em importante instrumentos de renda fixa global. Emissores e tomadores da dívida se comprometem a destinar os recursos captados para o financiamento de projetos ambientais ou sociais. O modelo têm se revelado decisivo para o cumprimento de metas de sustentabilidade, tais como as estabelecidas no Acordo de Paris e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da Organização das Nações Unidas.

Cada vez mais os investidores buscam alinhar seus portfolios com objetivos sustentáveis reconhecidos internacionalmente, buscando investimentos que além do retorno financeiro, proporcionam resultados ambientais e socialmente sustentáveis.

 

Origem dos Títulos Sustentáveis e Regulamentação

 

Em 2007, após a publicação do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima das Nações Unidas, que indicou a responsabilidade humana pelo aquecimento global, instituições como o Fundo de Pensão Sueco, o SEB Bank, o Banco Mundial, e CICERO – Center for International Climate Research, buscando transformar o mercado de dívida em parte da solução para a crise climática identificada, desenvolveram critérios de elegibilidade para captação de recursos para projetos sustentáveis.

 

No mesmo ano, o Banco de Investimento Europeu e o Banco Mundial emitiram o primeiro Green Bond/Climate Awareness Bond, firmando o framework de mercado para esses títulos, com critérios de emissão, reporte e o uso de avaliadores independentes. Na sequência, a ICMA – International Capital Markets Association estabeleceu princípios para emissão de títulos sustentáveis.

 

Desde então, o financiamento sustentável saiu da periferia do mercado de capitais e passou a ser um dos segmentos de mais alto crescimento global, se transformando em uma fonte relevante de financiamento de diversos emissores, incluindo entidades soberanas e empresas que buscam fazer a transição de suas operações.

 

Apesar do crescimento acelerado de tais dívidas no mercado brasileiro, não há até o momento qualquer regulamentação, normas ou diretrizes locais sobre o tema, o que leva os participantes do mercado a adotarem referências internacionais, em especial os princípios da ICMA.

 

Tipos de Títulos e Empréstimos Sustentáveis

 

Os títulos e empréstimos sustentáveis são emitidos ou tomados por empresas com o objetivo de promover ou avançar em causas ambientais ou sociais, podendo adotar diversas modalidades (e.g. certificado de recebíveis, debêntures, notas promissórias, notas comerciais e outros títulos de renda fixa). Os títulos sustentáveis são, via de regra, comercializado em bolsa de valores. Já os empréstimos sustentáveis, por se tratarem de instrumentos privados, via de regra são apenas comercializados em bolsa no caso securitizados.

 

Esses títulos ou empréstimos podem ser focados no uso de recursos ou em metas de sustentabilidade.

 

Quando focados no uso de recursos, trata-se de valores “carimbados” e de destinação específica, cujo objetivo é alcançado pela obrigação de destinação a empresas ou projetos que estão intrinsecamente conectados a um resultado ambiental ou socialmente sustentável, como por exemplo, no moradias populares, fontes de energia renováveis etc.

 

Já quando focados nas metas de sustentabilidade, a os recursos tem destinação livre, entretanto a operação é vinculada a um compromisso assumido pelo emissor/tomador da dívida quanto ao atingimento de determinadas metas de sustentabilidade (e.g. transição para fonte energética 100% sustentável, redução de emissão de carbono etc.).

 

Atualmente, existem 10 principais tipos de dívidas sustentáveis:

      • Títulos Verdes (Green Bonds): direcionam recursos para projetos que apresentam benefícios ambientais, focados em melhorar as condições climáticas e do meio ambiente, tais como projetos de energia renovável, transporte público limpo, redução da poluição, entre outros.

      • Títulos Sociais (Social Bonds): direcionam recursos para projetos que apresentam benefícios sociais, tais como moradias populares, educação, entre outros.

      • Títulos de Sustentabilidade (Sustainability Bonds): são títulos que combinam elementos ambientais (verdes) e sociais.

      • Títulos Azuis (Blue Bonds): direcionam recursos para projetos especificamente relacionados à gestão de água e proteção dos oceanos.

      • Títulos de Transição (Transition Bonds): são títulos que podem assumir as características dos títulos de sustentabilidade (sustainability bonds) e estão relacionadas a descarbonização do emissor. É usualmente utilizado em setores que normalmente não se qualificariam para a emissão de títulos sustentáveis, tais como setores carbono intensivos como óleo e gás, setor químico, siderúrgicas, aviação, navegação, entre outros. Essa modalidade tem a função de auxiliar indústrias carbono intensiva a melhorar suas credenciais de sustentabilidade.

      • Títulos Vinculados a Metas de sustentabilidade (Sustainabilty-linked Bonds): apesar da ausência de vinculação específica à um projeto, os recursos estão vinculados às metas de sustentabilidade do emissor dentro de determinado período, com melhora de métricas e indicadores de desempenho. Caso as metas não sejam alcançadas, há possibilidade de alterações nas condições da dívida referente ao título.

      • Empréstimos Verdes (Green Loans): são empréstimos que operam de forma similar aos Títulos Verdes (Green Bonds), com a exceção de que existem apenas no mercado privado.

      • Empréstimos Sociais (Social Loans): são empréstimos que operam de forma similar aos Títulos Sociais (Green Social), com a exceção de que existem apenas no mercado privado.

      • Empréstimos Sustentáveis (Sustainability Loans): são empréstimos que operam de forma similar aos Títulos Sustentáveis (Sustainability Bonds), com a exceção de que existem apenas no mercado privado.

      • Empréstimos Vinculados a Metas de Sustentabilidade (Sustainability-linked Loans): são empréstimos que operam de forma similar aos Títulos Vinculados a Metas de Sustentabilidade (Sustainability-linked Bonds), com a exceção de que existem apenas no mercado privado.

     

    Apesar dos formatos indicados, há grande flexibilidade na emissão de títulos híbridos que envolvam requisitos de mais de um modelo, tendo em conta características não excludentes.

     

    Regramento Jurídico para Finanças Sustentáveis no Brasil

     

    O regramento jurídico para as finanças sustentáveis no Brasil e no mundo ainda está em construção. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou em outubro de 2023 o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis, que tem por objetivo definir metas, objetivos e prazos para as iniciativas que serão desenvolvidos pela autarquia.  

     

    Diante da ausência de regulação específica sobre o tema, os documentos jurídicos utilizados na emissão de títulos e empréstimos sustentáveis aderem em grande parte os padrões internacionais. Entretanto, arranjos contratuais, divulgação de informações e outros acordos podem variar de acordo com o emissor, projeto ou escritório jurídico envolvido.

     

    Principais Desafios

     

    Apesar do rápido crescimento e aceitação dos títulos e empréstimos sustentáveis pelo mercado, ainda existem desafios jurídicos críticos a serem superados, entre os quais podemos citar:

        • Proteções contratuais: um desafio significativo é a inclusão de proteções contratuais claras e apropriadas aos investidores, com covenants aptos a endereçar possíveis violações do emissor (e.g. desvirtuação dos recursos, descumprimento das metas, falta de divulgação tempestiva das informações etc.). Para que determinadas violações possam dar causa à majoração das taxas pagas ou até mesmo ao vencimento antecipado da dívida, é indispensável uma avaliação minuciosa dos riscos e potenciais prejuízos delas advindos, de modo a assegurar maior proteção aos direitos do emissor e do investidor. Sem clareza nas obrigações, os investidores podem ter dificuldade de comprovar seus prejuízos, minando a confiança nessas dívidas sustentáveis.

          • Métricas de relatório e transparência: a qualidade dos relatórios sobre o uso dos recursos de dívidas sustentáveis pode variar significativamente, com inconsistências na frequência e no detalhamento. Essa falta de transparência pode dificultar a avaliação, pelos investidores, do impacto ambiental real de seus investimentos.

            • Complexidades para o emissor: os emissores podem achar o processo de emissão de títulos e empréstimos sustentáveis excessivamente complexo devido à multiplicidade de critérios e padrões aos quais devem aderir. Essa complexidade, somada à falta de benefícios de preço claros, pode desencorajar o uso dos Títulos Sustentáveis como uma opção de financiamento.

              • Greenwashing: há um risco de greenwashing, onde os títulos e empréstimos são rotulados como sustentáveis sem atender a padrões amplamente aceitos para tal classificação. A ausência de um padrão global ou de definição legal dificulta os esforços para combater o greenwashing e garantir a credibilidade dos títulos e e empréstimos sustentáveis.

                • Incentivos de preços: apesar da crescente demanda de investidores institucionais por investimentos sustentáveis, há poucas evidências de vantagens financeiras claras para esses títulos em comparação aos títulos tradicionais. Essa falta de incentivos pode desencorajar a adoção dos títulos e empréstimos sustentáveis pelos potenciais emissores.

               

              Potenciais Melhorias para Produtos Sustentáveis

               

              Para enfrentar esses desafios e garantir o sucesso dos títulos e empréstimos sustentáveis, é possível a adoção de algumas medidas, incluindo:

                  • Incorporação de obrigações verdes nos termos contratuais: inclusão de disposições e covenants explícitos nos contratos de títulos e empréstimos sustentáveis, tornando-os executáveis e sujeitos a penalidades por não conformidade.

                    • Incentivos fiscais: adoção de políticas podem que estabeleçam incentivos fiscais para emissores e investidores de títulos e empréstimos sustentáveis, condicionados à adesão a critérios contratuais pré-determinados.

                      • Ativismo da indústria e dos investidores: promoção de iniciativas, por organizações setoriais e grupos de investidores, para impulsionar o desenvolvimento do mercado e a recompensa aos emissores comprometidos com os princípios sustentáveis.

                     

                    Em suma, abordar esses desafios requer colaboração entre emissores, investidores, reguladores e formuladores de políticas públicas para fortalecer a integridade e eficácia do mercado de financiamento sustentável na promoção de seus objetivos e metas globais de sustentabilidade.

                     

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                    Por Natália Fazano Novaes

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